quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A volta pela estradinha do coronel

As tardes de verão, lá na roça, eram abafadas e não raramente terminavam com uma trovoada muito forte. Isto nos deixava muito alegres, pois o rio enchia e a água ficava barrenta, avermelhada, o que facilitava a pescaria, especialmente de Bagres, que era preparado com muito carinho pela minha mãe, na refeição da noite. O bagre era um peixe muito apropriado para se comer no jantar, visto que a luz da lamparina não clareava o suficiente toda a mesa e este, além da carne muito saborosa, tinha pouquíssimos espinhos.

Numa dessas tardes, eu e meu primo Antonio Luiz voltávamos da Escola Rural da Freguesia da Escada. As bicicletas eram nossas aliadas inseparáveis, pois aqueles dois quilômetros que separavam a nossa casa da escola, eram quase impossível serem transpostos á pé, principalmente por duas crianças de apenas 8 anos de idade. A minha era azul, aro 26, com um selim, coberto por uma capa muito colorida que meu pai acabara de comprar no Pedro Bicicleteiro, lá no centro da cidade. No guidão, duas manoplas também novas, o que valorizava e muito o seu visual. A do meu primo era preta, aro 28, um pouquinho mais alta. O detalhe é que as duas tinham o quadro próprio para mulheres, pois todas as crianças tinham que aprender a andar nelas, tanto os meninos quanto as meninas e assim eram compartilhadas por todos nós. Era impossível cada um ter a sua.

Íamos pedalando e comentando o fato de que nossa professora Dona Kasuko Honda havia exagerado nas tarefas daquele dia, o que ia comprometer a nossa próxima manhã, pois não daria para brincar o quanto a gente gostaria.

Foi daí que começamos a desejar que aquela chuva, a qual estava se formava no horizonte, caísse rapidamente e assim iríamos iniciar uma brincadeira diferente, ali mesmo.

Não tínhamos ainda tomado banho de chuva andando de bicicleta e a expectativa era de que seria o máximo.

Os nossos cadernos eram carregados em uma bolsinha de lona, colocada na garupa, em uma espécie de prendedor com molas. Os lápis, borrachas, caneta tinteiro, um vidro de tinta Pilot, cor preta, Gillette para apontar os lápis , caixinha com seis unidades de lápis de cor, tudo devidamente ajeitado no estojo de madeira. Na tampa havia um desenho de um lago e um barquinho à vela desenhado. Na lancheira, algumas migalhas do pão e o cheiro da mortadela que minha mãe havia colocado para a hora do recreio. O percurso era feito pela estradinha de terra do Coronel, ladeada de capituvas dos dois lados, com menos de dois metros de largura, cheias de costelas de vaca, porém segura no sentido de que nenhum carro por ali passava. O único inconveniente era a pouca ou quase nenhuma conservação. De trechos em trechos descíamos e empurrávamos nossas bicicletas, tomando os devidos cuidados para não ficarmos atolados na lama. Hoje esse trecho já não existe mais, pois foi encampado pelos latifundiários.

Quando já tínhamos percorrido quase a metade do trajeto, bem perto da Olaria dos Siqueiras, chegou a tempestade. Veio de uma forma que nunca havia presenciado. Tudo ficou muito escuro, parecia noite. Poucos minutos depois de iniciada a chuva, os raios e trovões surgiram, com muito barulho, clareando tudo ao redor a cada estrondo. O fenônemo, que deveria gerar admiração e brincadeira, agora era um misto de muito medo e insegurança. Quando a água batia em nossos rostos, doía como agulhada e a respiração ficava muito prejudicada. Não era possível pedalar mais e a única forma de continuar era sair empurrando estrada à fora. Porém, nem assim era possível sair do lugar. Mais ainda para meu primo, que já tinha dificuldade em enxergar normalmente.

Foi então que largamos tudo, retiramos as sacolinhas da garupa e saímos em disparada em direção à casa do Tio Juvenal, completamente ensopados e exaustos. Quando lá chegamos, a tia Odete imediatamente preparou uma troca de roupa sequinha e um cafezinho bem quentinho na tentativa de que parássemos de bater os dentes de tanto frio.

Lá em casa, a minha mãe estava muito preocupada, pois já era hora de estar lá, isto é, se não ficássemos fazendo hora na espera da chuva. Mandou que o meu pai saísse, com dois guarda-chuvas, um feminino e outro preto, bem grande, daqueles que tinha no cabo um elefantinho para que, assim que fossem encontrados, coubéssemos todos ali.

Fechou o armazém, saiu na tempestade e foi rapidamente ao nosso encalço. Porém, após a descida do taquaral, logo após a casa do tio Bento, encontrou os óculos do meu primo jogados na beira de uma moita de capim gordura. Mais à frente, dois pares de sandálias havaianas atoladas no barro e, adiante, as duas bicicletas largadas no meio de um lamaçal. A única alternativa, naquele momento, foi retornar e tentar descobrir, pelas nossas pegadas, onde estaríamos naquela hora. Os passos levavam por de baixo de uma cerca de arame farpado, nas cercanias da casa do meu primo. Assim que lá chegou, estávamos os dois, sentados perto do fogão, que foi aceso para que pudéssemos aquecer as mãos e assim pararmos de tremer o corpo inteiro. As sacolinhas em um canto mostravam os cadernos todos borrados, pois a tinta já havia escorrido e estava espalhada pelas páginas. Só a páginas de aritmética que eram preenchidas à lápis talvez pudessem ser recuperadas.

Depois de um xingo bem dado e um gole de café, saiu para resgatar todos os pertences largados ao longo da estradinha.

Certamente, é por isso que até hoje evito temporais.

4 comentários:

  1. Papaaaaaaii!!!

    Adorei a idéia do blog!!
    Vai ser muito bom para termos fácil acesso às suas tão divertidas histórias!
    Sempre amei ouvir suas peripécias e está sendo também muito legal lê-las!!
    Espero que continue escrevendo!!

    Ah... e aqui vão alguns pedidos:
    * a da salsicha
    * a do Brasilino
    * a da porta da kombi
    * a da shelltox...

    são tantas, todas muito legais... você sabe que eu nao me canso de ouvir e agora nao vou me cansar de ler!!

    Beijoooss, amo muito voce!! s2

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  2. Adorei!!!
    Continue escrevendo!
    Vou aguardar ansiosa as próximas...Gostei das sugestões da Rafinha!
    Super beijo, saudade, te amo!

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  3. Às 10:30 da manhã, aqui em Ribeirão Preto, tomando um café no escri, me senti à beira do fogão de seu tio tio Bento.
    Espero não levar nenhum xingo!
    Boa sorte com o Blog.
    Guto

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