sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Balão no céu, perigo na terra


Era mês de junho. A noite havia chegado há pouco e as primeiras estrelas apareciam cintilantes no céu. A estrada de asfalto, quase sem nenhum acostamento, obrigava o meu pai a ir se equilibrando sobre a bicicleta, tomando todo o cuidado para não esbarrar no meu tio Bento, que pedalava a frente. Era como um bailado: quando vinha algum carro, no mesmo sentido, era necessário atravessar a estrada e seguir como se estivesse na contramão. Quando vinha no sentido oposto, podia-se continuar o trajeto no mesmo lado, tomando-se o devido cuidado para não cair no desnível entre a beirada do asfalto e o acostamento de terra batida. Na passagem dos carros, toda extensão ficava iluminada. Os faróis ofuscavam nossa visão. Alguns segundos se passavam antes dela voltar a se acostumar com aquele caminho que parecia um breu de tão escuro.



Nas árvores, às margens da pista, alguns pássaros revoavam de uma moita para outra e teimavam em encontrar um local mais adequado para a passagem daquela noite fria de inverno.



Eu ia sentado de lado no quadro da bicicleta Hubber, vermelha, de cinco marchas, que meu pai havia adquirido há pouco tempo em uma negociação com um viajante. Ia feliz da vida, pois era muito gratificante sair com os adultos para passear na Freguesia da Escada, um vilarejo bucólico distante de casa uns dois quilômetros. A minha diversão era ir controlando a luz. Funcionava com dois focos, alto e baixo e este sistema era mudado em um pininho no alto do farol, logo a frente do guidão. Um dínamo acoplado aos raios da roda fornecia a energia necessária. Quanto mais rápidas as pedaladas, mais intensa era a luminosidade.



Numa das manobras entre a passagem de um carro e outro, o meu tio avistou, bem no alto, um balão (desses que soltam em festas juninas), brilhante naquela imensidão escura. Comentou efusivamente com meu pai, que, ao olhar repentinamente para aquele lado, tocou com a roda dianteira de nossa bicicleta, na roda traseira da que ia à frente. Isto ocasionou um tombo tão rápido que nem deu  tempo para alguma reação, muito menos qualquer tipo de proteção. Bati com a cabeça naquele asfalto duro. Senti uma dor intensa e uma ligeira tontura.



Nesse instante, meu pai percebeu que havia um corte profundo na minha nuca. Lembro-me nitidamente da sua preocupação em estancar o sangue, que insistia em escorrer pela minha cabeça.



Quando chegamos em casa, o lenço azul que meu pai sempre carregava no bolso traseiro estava todo vermelho. No machucado, o sangue já havia coagulado. Minha mãe correu para esquentar uma bacia de água, no fogão a lenha, a fim de limpar o meu cabelo, pescoço e ombros. Carrego até hoje essa cicatriz e toda vez que vejo uma noite de inverno, com estrelas cintilando no céu, não deixo de lembrar que foi naquela noite que, felizes da vida, pudemos beber Guaraná sem ser no almoço de domingo, pois precisávamos esquecer o susto pelo qual havíamos passado.

Um comentário:

  1. Aguardando ansiosa a próxima!
    Vários amigos e familiares escrevendo para dizer que adoraram as histórias!
    Beijinhos!Saudd :)

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