quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Toninho e o grão de feijão mulatinho

A minha casa dificilmente ficava vazia. Embora meus pais tivessem somente um casal de filhos, os primos estavam sempre conosco. Os filhos da tia Helena e do tio Raul (Cida, Ana Maria, Pedro, João, Toninho e Jorge) perderam a mãe precocemente, e, por isso, viviam com a gente lá na roça. O mais novo, o Jorge, permanecia em casa durante todos os dias de suas férias escolares e ainda voltava para a sua casa reclamando. Os demais vinham nos visitar em alguns finais de semana, visto que, além da escola, tinham outras obrigações em Mogi das Cruzes, onde moravam.

O primo Laudenir, filho da tia Ana e do tio José Moreira, também adorava ficar conosco. A minha mãe era como se fosse a mãe dele, e a dele como se fosse minha. Sempre fizemos questão de nos apresentar como primos-irmãos.

Dormíamos e acordávamos com as galinhas para poder aproveitar bem o dia, e este parecia ser mais longo do que é hoje, pois dava para fazer inúmeras brincadeiras. Antes de dormir, programávamos todo o próximo dia. A primeira atividade, invariavelmente, era ir ao retiro de leite do Sr. Dorival Arruda segurando um copo americano com um pouquinho de açúcar no fundo para tomar o leite diretamente da vaca. Ali ficávamos até o Valdomiro, filho do Sr. Dorival, picar o capim, misturá-lo com o farelo, tratar das vacas, dos bezerros e dos novilhos. Às vezes, havia ainda uma seção de vacinação contra a aftosa, atividade a qual achávamos muito interessante acompanhar.

Voltávamos para casa e preparávamos as tralhas para pesca, pois no almoço a minha mãe sempre esperava um incremento na mistura. Naquele tempo, o Ribeirão do Salto ainda não tinha nenhuma poluição e o volume de água era muito maior que atualmente. Havia muitas variedades de peixes: lambari, cará, bagre, traíra, mandi e outros. Estes nós pescávamos com anzol e minhoca, porém outros, como o sagüiru e o cascudo, somente pegávamos no covo de bambu preparado pelo meu pai.

Após o almoço, íamos nadar no riacho, mas só depois da liberação de minha mãe, pois a comida precisaria “baixar” e sempre ouvíamos histórias de pessoas que tiveram problema nadando de barriga cheia. À tarde, brincávamos no pomar ou andávamos a cavalo. Para terminar o dia, jogávamos futebol no campinho ao lado de casa.

Foi em uma tarde de verão, quando o sol já estava se pondo, que eu e meu primo Toninho resolvemos ficar no pomar chupando mexerica. No final do quintal, havia uma eira com feijão mulatinho, que ali estava para secar, pois antes das vagens serem malhadas com a vara e os grãos ensacados, tinham de passar por esse processo de secagem. Foi então que o meu primo teve a idéia de fazer uma pegadinha comigo: colocar dois grãos em meu ouvido, um de cada lado, apertando-os entre os dedos polegar e indicador e soltando lá dentro da minha orelha. Como eu percebi a brincadeira, não deixei que a fizesse em mim, e ele fez uma demonstração nele mesmo de como seria essa idéia de me assustar. Ele virou a cabeça para que o feijão de um lado caísse. Nisso, na orelha que ficou p cima entrou o feijão. Neste momento, um dos grãos caiu no chão e o outro adentrou parcialmente no seu ouvido. Mesmo batendo e chacoalhando a cabeça, este não saia de jeito nenhum. Tive a iniciativa de buscar um grampo de cabelo da minha irmã Kika para tentar puxá-lo para fora. No entanto, em vez de puxar, empurrei. Foi aí que ele sumiu totalmente para dentro do canal auditivo. Nesse instante, a minha mãe apareceu e percebeu que alguma coisa não estava bem. Depois de alguma resistência, resolvi contar que o Toninho estava com um grão de feijão alojado dentro do ouvido.
Nessa época, em Guararema, só existia uma Santa Casa e mesmo assim os médicos não faziam plantão. Só iam uma ou duas vezes por semana e os casos mais graves eram transferidos para outros centros. Os partos eram feitos pela Dona Balbina e todos nós nascíamos em casa. Otorrinolaringologista, nem pensar.

A alternativa seria o Zé da Bala, dono da única farmácia, localizada na praça da matriz, na mesma calçada que a barbearia do Viriato. Era do tipo “faz tudo”, receitava e aplicava penicilina (e essa eu nunca esqueço, pois doía muito), tratava torcicolo, bronquite, tosse comprida, sinusite, sarampo, caxumba, bucho virado, nó nas tripas, constipação e aos domingos tratava das contusões dos atletas de futebol, pois atuava como massagista do time Guararema F.C.

Meu pai achou melhor colocar o Toninho na garupa da bicicleta e sair imediatamente pedalando rumo à farmácia do Zé da Bala, que ficava a uns cinco quilômetros de casa. Como era normal nesses apuros, ficamos lá sentados na calçada, eu, minha mãe e minha irmã, pensando no que poderia ter acontecido. Será que o feijão iria nascer dentro da cabeça? Teria que operar para retirar o grão? Abrir a cabeça? O meu pai ia pedalando e tentando manter o Toninho o mais calmo possível, mas também não estava tão seguro da situação, pois não sabia o que o Zé da Bala poderia recomendar nesse caso. Parecia uma situação complicada que poderia causar outros danos: dores de ouvido, infecção... E o que falar para o meu tio Raul, que era bem severo com os filhos?

Chegando à farmácia, meu pai contou em detalhes o que havia ocorrido. O Zé da Bala pensou um instante, perguntou quanto tempo havia ocorrido o fato e, na certeza de que o feijão ainda não havia inchado o suficiente para ficar instalado lá dentro, pegou uma seringa com água morna e uma tigela. Pediu ao Toninho que a segurasse na altura do ombro, logo abaixo da orelha, e jogou um jato bem forte lá dentro. O feijão saiu imediatamente, como um foguete, e caiu dentro da tigela. O meu primo, que até então estava apavorado, ficou aliviado.

Antes de voltar para casa, passaram no armazém do Doca e tomaram uma Tubaína. Retornaram rindo muito da situação. Imaginem só um pé de feijão germinando no tímpano do menino e nascendo de dentro da cabeça!

2 comentários:

  1. Puts primo ia ser bem interessante se não conseguisem tirar o feijão da dele....pois teriamos na familia um conto veridico.... Toninho manezão e o pé de feijão....kkk vcs tem cada história hein meu!!! kkkkkkk

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  2. hehe! Ah, esse ar bucólico e agradável de Guararema! A sua história me faz esquecer por alguns instantes a loucura da metrópole...isso q só conheço a cidade a uns 10 anos...imagina naquela época então como deveria ser agradável! Dá quase pra sentir o ar fresco...!
    Parabéns pela história João! Aguardo a próxima...
    Grande abraço!

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