quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Radinho de Pilha

A nossa casa ficava num plano abaixo do armazém, como se fosse um anexo a ele. Uma escada de onze degraus ligava os fundos da venda, que era no mesmo nível da estradinha de asfalto, à nossa sala.
Os dois quartos foram construídos no porão. Por isso, todos os passos que meu pai dava no assoalho no atendimento aos fregueses, de um lado para outro, eram ouvidos lá embaixo. Havia também uma cozinha com um fogão à lenha, uma chaminé (uma folha de alumínio era colocada no meio dela como se fosse uma válvula para regular a intensidade da fumaça), um armário de louças, uma mesa comprida e quatro cadeiras de madeira escura.
Na sala, havia uma cristaleira com alguns pratos e talheres que somente iam para a mesa quando recebíamos alguma visita ilustre. Ainda marcavam presença, estando cuidadosamente guardados ali, alguns copos e louças que meus pais haviam ganhado no casamento deles. A iluminação ficava por conta de um lampião Aladim, à querosene. Isto já era um avanço em relação às lamparinas de pavio, que soltavam muita fumaça e pretejavam todas as nossas narinas. A sala de visitas era um ponto de encontro de todos os tios e primos. O ambiente, sempre muito freqüentado, era super agradável, pois minha mãe Ruth, como faz até hoje, recebia muito bem a sobrinhada.
O chão de tijolos tinha que ser varrido todos os dias pela minha mãe, com vassouras de ramos colhidos no fundo do quintal e montadas em um cabo de madeira, amarradas por um cipó bem fininho. De vez em quando, as vassouras tinham de ser atadas em um cabo bem maior para que se limpasse o telhado, pois não havia forro nos cômodos, o que fazia juntar muitos picumãs.
Uma talha de barro acondicionava água, para ficar sempre muito fresquinha, e todos os dias era abastecida com a água do poço. O poço ficava estrategicamente próximo à saída da cozinha. Seu balde permanecia amarrado em uma corda que passava por uma carretilha. Dava um trabalho danado para encher o tanque na hora de lavar as roupas! Ao lado do tanque de pedra, um quarador e, mais a frente, um varal bem esticadinho completavam a área de serviço. Banheiro, só a privada do lado de fora.
No quintal, foram plantados muitos pés de frutas, que eram caprichosamente cuidados pelo meu pai Fernando. Podia se encontrar laranja baiana, mexerica, tangerina, mamão, araçá e ameixas. Ali, nos finais de tarde, era uma festa de tantas variedades de pássaros, como sabiá, sanhaço, azulão, maritaca, pássaro preto, pintassilgo, coleirinha, jacu, inhambu e tantos outros.
No pomar, era possível brincar de pega-pega, esconde-esconde, mocinho e bandido, amarelinha, pula corda e a área, que hoje a gente percebe bem menor, parecia uma enormidade. Fazíamos casinhas completas, enterrávamos taquaras emendadas, simulando um encanamento para água. Essas eram nossas brincadeiras, muito saudáveis e sempre monitoradas pelas nossas mães que ficavam sentadas ali por perto, bordando meias da marca Aço, que existem até os dias de hoje. Essas meias vinham da Tia Ana e da Vó Brasília amarradas em conjunto de 12 pares. Eram colocadas em uma fôrma e, após bordadas, seguiam para São Paulo. O bordado era uma maneira de ganhar algum dinheirinho e também um passatempo realizado entre um afazer doméstico e outro.
O rádio de pilha da marca Philips (nós achávamos que era Pilipis) ficava o dia todo ligado nos programas Silvio Santos (“Silvio Santos vem ai, laia, laia, laia...”), Hélio Ribeiro (“O poder da Mensagem”) e Barros de Alencar.(“Só sucessos...”). Os jingles eram muito fortes naquela época, sabíamos todos de cor e salteado.
Foi numa de nossas tardes de brincadeiras que um dos meus primos mais novos estava com a gente, no rádio começou a tocar uma propaganda de um inseticida da Shell, foi quando a minha irmã Kika agarrou-o pela cintura e saiu com ele pulando e dançando pela sala: “Shelltox mata moscas e baratas e se existe algum valente, Shelltox desacata, Shelltox é o melhor inseticida, contra insetos que não sabem é um suicida”. O problema é que ele estava com uma disenteria danada e não foi possível segurar. O meu primo ficou chorando e gritando, e todos nós rimos demais. Minha tia, sua mãe, não sabia se ria também ou se acudia o menino. Minha mãe correu, pegou a bacia e levou-o para o quarto mais próximo para dar –lhe aquele banho. O jingle ficou muito mais engraçado para nós, pois todas as vezes que o ouvíamos no rádio, lembrávamos esse episódio e novamente íamos às gargalhadas. A princípio, minha tia ficava um pouco chateada, mas com o tempo acostumou-se com a idéia.
Por isso é que, até hoje, mesmo com o advento da televisão, internet e tantos outros meios de comunicação, eu não deixo de ouvir rádio: este foi muito forte e presente em nossa formação. E dá-lhe jingle!!

3 comentários:

  1. Haha! Mt engraçada a história! uehuehuehuehu...
    Sempre com ótimas descrições! Mt bom pra quebrar o ritmo da cidade grande...
    forte abraço, João!
    A espera da próxima história...

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  2. Começou né primo!!!! Tinha q ter néh uma dessa no meio pq se não tiver!!!!
    O jingle dnado de bãooo sô!!!!!

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  3. Das brincadeiras, lembrei-me de todos Antonio Luiz, as Kikas, Jorge, Maria Amelia, e porque não do Alfredão.
    Mas vou deixar para vc, mais tarde esse da um "conto e tanto"

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