quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Saco de Risadas

Todo o mês de maio íamos de romaria à Aparecida do Norte visitar a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Em meus primeiros anos de vida, chegamos a ir algumas vezes de caminhão. Em sua carroceria, algumas tábuas eram colocadas, formando bancos que eram cobertos de lona. Na viagem toda, cantos religiosos eram entoados: "Dai-nos a bênção ó mãe querida,
Nossa Senhora Aparecida. Sob esse manto do azul do céu..." Também o terço era rezado. Formavam-se grupos de aproximadamente 25 pessoas, reunindo 3 ou 4 famílias. A maioria delas ia para agradecer alguma graça recebida ou então fazer algum novo pedido.

Havia algumas paradas certas para a nossa alimentação. Cada um levava algum tipo de comida que era consumida comunitariamente. Não podia faltar a farofa, o frango frito e o arroz branco. A bebida era normalmente Tubaína, sem gelo, pois ainda não tínhamos geladeira e nem isopor.

Era uma grande aventura esta viagem, sempre aguardada com muita ansiedade. Saíamos de Guararema bem cedinho e seguíamos em direção à Jacareí, pela estrada velha, depois pela via Dutra, passando por São José dos Campos, Caçapava, Taubaté, Pindamonhangaba e, finalmente, chegando à Aparecida do Norte.
A distância de 120 km, aproximadamente, era cumprida em mais ou menos oito horas, pois naquele tempo a Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, conhecida como BR-2, estava sendo construída e em alguns trechos havia somente uma pista.

Chegando lá, a primeira missão era ir à Basílica antiga, mais conhecida como igreja velha, pois a obra do Santuário Nacional ainda estava começando, uma vez que o seu início deu-se por volta de 1955 e em meados dos anos 60 ainda estava em fase inicial de construção. Sua inauguração ocorreu somente nos anos 80.

Cumprida a missão religiosa, que era assistir à missa, visitar a imagem, acender velas, subir ao Cruzeiro e agradecer pelas graças recebidas na casa dos milagres, o resto era só diversão, principalmente a parte de ir às compras nas barraquinhas e lojas que ficavam nas vizinhanças da igreja. A foto para registrar esse momento único, tirada com fotógrafo lambe-lambe, na frente da igreja, não podia faltar.

Na volta, duas paradas eram inevitáveis: o Posto da Gruta, para tomar água da Nossa Senhora de Lourdes, e a cidade de Jacareí, com seus deliciosos biscoitos.
Nos anos 60, já não íamos mais de romarias de caminhão, mas, sim, de perua Kombi, do tio José Moreira.

Houve uma vez em especial que juntamos a nossa família com a do Vicente Nogueira e seguimos para a nossa peregrinação. Estavam presentes o Seu Vicente, a dona Helena e seus filhos Jorge e Eduardo, o Tio Bento, a tia Rosalina e seu filho Alfredo. Da nossa casa, o meu pai, minha mãe e minha irmã Kika e o meu tio Zé, dirigindo a sua Kombi azul.

Saímos de casa por volta das 7 horas, passamos pela Freguesia da Escada para completar a lotação e rumamos para o Santuário. Chegamos lá por volta das 9h30 e assistimos à missa das 10 horas. Fizemos a visita à imagem e, na saída da igreja, minha mãe resolveu que eu e minha irmã tiraríamos uma foto.

Eu estava vestido com uma calça curta marrom, camisa branca, sapatos marrons, meias brancas e suspensório, pois, naquela época, era muito comum os meninos usarem este adereço. A minha irmã estava com um vestidinho florido e sandálias claras. No momento de pousar para a foto, ainda bem pequenininha, ela ficou assustada e não queria ficar quieta. A minha mãe teve que comprar, em uma loja perto da praça, uma bolsinha de palha, que mais parecia uma cestinha, para entretê-la. Só assim ela ficou paradinha. Tiramos uma foto linda! Eu de mão na cintura e ela com a bolsinha na mão, sentada em uma cadeira de madeira. Até hoje as mãozinhas na cintura rendem várias gozações dos meus primos.

Descemos a ladeira em frente à Basílica velha, onde não faltavam barraquinhas e lojinhas com souvenires religiosos de todos os tipos: imagens de santos, carrinhos de brinquedos, bonecas, armas, instrumentos musicais, rádios, terços, velocípedes, velas e tantos outros itens. Tudo o que se encontrava em uma loja ou barraca tinha em quase todas as outras.

Eu estava numa fase de menininho peralta e meu pai tinha que ficar de olho para que eu não aprontasse nenhuma arte. Nas barracas, havia uns Sacos de Risadas pendurados. Quando descobri como funcionavam, comecei a sair correndo na frente para ir apertando os sacos, correndo depois para fugir. Quanto mais o meu pai corria atrás de mim, mais rápido eu ia, apertando e correndo. Foram muitas e muitas risadas. Até que fui alcançado e tomei aquele beliscão.

Na viagem de volta, ainda aprontei mais uma. Porém, dessa vez ninguém notou. Eu estava sentado no banco do meio da Kombi, ao lado da porta, cujo trinco soltei com o veículo em movimento, não conseguindo mais fechá-lo. Fiquei segurando até a próxima parada que foi no Posto da Gruta, já em São José dos Campos. A minha mãozinha já estava doendo muito e ficando roxa e eu rezando para chegar logo.
Passei muito medo, mas o xingo certamente seria muito maior. Nunca ninguém soube dessa peraltice.

Hoje, fico imaginando o risco pelo qual passei. Criança não tem mesmo noção dos perigos!

5 comentários:

  1. Lembro das viagem de caminhão que meu pai fazia as antigas "Romárias", e depois varia "Perua Kombi".
    abraço

    ResponderExcluir
  2. Incrível como da simplicidade se fazia a felicidade nesses tempos...

    Espero que possamos passar essa mensagem adiante!

    Abraço,

    Eric

    ResponderExcluir
  3. Linda história, meu escritor favorito!

    ResponderExcluir
  4. Já ouvi algumas histórias parecidas com essa, mas contadas por vc fica muito mais divertidas.
    Grande abraço.

    ResponderExcluir
  5. Vc hein primo, teve uma infância muito boa cada mulecagem vc aprontava hein carinha!
    Abraço

    ResponderExcluir