segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

De quem é o ovo?

Os meus avôs maternos tiveram oito filhos (Deoclésia, Helena, Juvenal, Augusto, Bento, José, João e a minha mãe Ruth, a caçula), trinta e quatro netos, setenta bisnetos e trinta e cinco tataranetos.

Minha mãe praticamente morou a vida inteira na mesma casa onde nasceu. Saiu dali por uns doze anos, quando se casou, até que a minha avó adoeceu e, logo em seguida, o meu avô teve complicações de saúde. Como ela sempre foi muito prestativa, tomou a iniciativa de se mudar para essa casa, que sempre foi a sede principal do sítio, a fim de poder deles cuidar melhor.

O meu pai foi o seu primeiro e único namorado, pois naquele tempo os pais ainda influenciavam muito na escolha do futuro marido e o meu avô, sempre muito exigente, não deixava que ela namorasse qualquer um.
Demorou bastante tempo para que ela tivesse a coragem de anunciar a sua intenção de namoro. A princípio, o meu avô ficou um pouco ciumento, devido ao fato de ela ser a sua filhinha mais nova, já com mais ou menos 18 anos, mas acabou aprovando o relacionamento.

Durante quase quarenta anos, minha querida mãe cuidou de doentes: primeiramente, do meu avô, logo em seguida, da minha avó, do meu avô paterno, da minha tia Fininha e, por fim, do meu pai. Este, por conta de um AVC, ficou durante quinze anos na cama, pois perdeu totalmente os movimentos das pernas e de um braço. Também não falava, somente balbuciava alguns sons, mas ela entendia tudo o que ele queria comunicar.

Em nenhum momento reclama dessa sua vocação, muito pelo contrário, sempre agradeceu a Deus por tudo o que havia dado a ela. Inclusive comentava que preferia o meu pai sempre perto dela, mesmo que fosse naquela condição. Também fazia questão de ressaltar que tudo aquilo ainda era pouco em comparação aos muitos anos que recebeu, com tanto carinho, o seu cafezinho na cama todos os dias e uma rosa bem bonita em datas especiais.

A casa onde ela nasceu é até hoje o ponto de encontro de toda a família. À medida que os meus primos foram perdendo seus pais, pois quatro dos meus tios infelizmente não estão mais conosco, minha mãe foi sendo assumida também como a segunda mãe de vários deles. Sempre fomos muito próximos e essa união deve-se muito a Dona Ruth. Todas as festas natalinas nós fazemos questão de comemorar juntos. Não me recordo de ter passado um Natal longe de minha mãe.

Ela sabe os gostos de cada um e procura agradar a todos. Quando chega o Álvaro, filho do meu primo João, ela corre para preparar um chá preto, sem açúcar. Para a minha filha Rafaela, bolinho de chuva. A Lana é vegetariana e não come nenhum tipo de carne, mas nem se preocupa, pois sabe que sempre terá alguma coisa gostosinha para ela comer. Eu gosto do feijão com arroz e frango frito, assim como a minha filha Isabela. A bisneta Maria Lívia, ainda um bebê, já tem as suas preferências e também é servida como todos nós.

Enquanto mantínhamos um time de futebol só da família e jogávamos todos os domingos, pela manhã, os meus primos Laudenir, Zé Bueno, Pedrinho, João, Jorge, dentre outros, não iam para o jogo sem antes passar na cozinha da D. Ruth para tomar o seu delicioso café. Era como se fosse um ritual. Sem isso, o time não entrava em campo.

Os nossos aniversários são até hoje, em sua maioria, comemorados em sua casa. O bolo é colocado na mesa retangular, um dos vários móveis que são carinhosamente preservados desde o tempo em que meu avô casou-se com a minha avó. Canta-se, inicialmente a canção: “O aniversariante será abençoado, porque o Senhor vai derramar o seu amor...”, depois o “parabéns a você...”.

Praticamente todos os domingos, salvo compromissos inadiáveis, nós almoçamos juntos. Estão sempre presentes minha esposa Lana, as minhas filhas, Rafaela e Isabela, minha irmã Kika, meu cunhado Marcos, minha sobrinha Natália e minha sobrinha neta Maria Lívia. A alegria fica plena quando meu neto Lorenzo, as minhas filhas Fernanda e Juliana e os genros Angel, Paulo e Eric podem estar junto conosco. A família cresceu e praticamente não cabem todos à mesma mesa ao mesmo tempo.

Além disso, cuida de uma matilha de cachorros, em torno de meia dúzia, sem contar os gatos que por lá aparecem e vão ficando.

Como a sua casa fica na beira da estrada, aparecem andarilhos pedindo comida e ela sempre tem algo a oferecer. Alguns até ficam amiguinhos da família, como é o caso do “Papai & Mamãe” (mas isso fica para outra história).

O dia em que eu, com 19 anos, saí de casa para trabalhar foi muito marcante. No domingo à noite, ela ficou acordada até bem mais tarde que o normal, passou as minhas roupas e colocou-as com muito cuidado em uma mala de viagem, pois a partir de então eu ficaria a semana toda fora, uma vez que eu iria trabalhar na cidade de São Bernardo do Campo e estudava Administração de Empresas na faculdade em Mogi. No dia seguinte, levantou bem cedinho e, com todo o carinho desse mundo, sabendo do meu gosto, fez o delicioso virado de feijão com ovo para que eu tomasse com café, antes de sair. Embora soubesse que um dia eu teria que ir para o mundo e seguir uma profissão, aquele momento trazia um sentimento de separação, pois sempre fui obediente e muito apegado aos meus pais. Eu peguei a mala, coloquei-a no fusquinha e voltei para me despedir. Minha mãe estava chorando no cantinho da sala, abraçou-me bem forte e disse:

-Filho, que Deus o acompanhe e te dê muita força para enfrentar os desafios do mundo e discernimento para as coisas corretas na sua profissão. Trate todos com igualdade, como sempre fez, e tenha a certeza de que todos irão te respeitar...

Levei em meu coração e em minha mente esses ensinamentos. Choramos juntos e nos abraçados por um instante. Ela enxugou as lágrimas, abriu a porteira e ficou lá acenando para mim e repetindo:

-Vai com Deus, meu filho... Vai com Deus...

Fui me afastando e olhando pelo retrovisor a sua fisionomia de mãe preocupada. Fiz, nesse momento, uma promessa: iria por toda a vida lembrar-me de suas recomendações e seguir à risca os seus conselhos.

Com o meu primeiro salário comprei para ela um lindo faqueiro Tramontina, com 76 peças, cujo estojo de tampa basculável por meio de dobradiças, suportes especiais para fixação dos talheres e com encaixes especiais, guarda cuidadosamente até hoje. Os talheres foram colocados em uso.

Meu cunhado, Marcos, sempre comenta que sua sogra tem uma predileção exagerada quando se trata de agradar os meus gostos, o que não é bem verdade, uma vez que ela demonstra muito prazer em satisfazer a todos. Ele sempre conta uma história como exemplificação. Esta é a seguinte: houve uma época em que todos os dias eu e o Marcos voltávamos do serviço no mesmo horário e jantávamos juntos.

Sempre que chegávamos, já estava tudo arrumadinho para o jantar, só faltando preparar a mistura para que não esfriasse até sentarmos à mesa. Em um dia desses, ela foi à dispensa, pegou dois ovos de galinha caipira, comida que nós dois gostamos muito, colocou-os em um prato e veio para a cozinha prepará-los. Quando chegou à porta, desequilibrou e um dos ovos caiu e se espatifou no chão.

Ela, prontamente, falou:

- Puxa vida, Marcos, caiu o seu ovo!

Ele reclamou de imediato:

- Sogra, como a senhora sabe que aquele ovo que caiu foi o meu?

Ela, meio sem graça, comentou:

-ERA SEU SIM, O DO JOÃO FICOU AQUI NO PRATO.

Será que ele tem razão, quando até hoje, reclama disso?

9 comentários:

  1. Lindo depoimento. Um beijo carinhoso para D. Ruth!

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  2. O Tia Ruth,
    Melhor Mãenzona.
    o dia que não tomamos café antes do jogo, se eu não me engano ela tinha ido passear, nosso time perdeu.

    Eu tenho certeza que no dia do ovo, se eu estive lá e fosse trez ovos, e se caisse um continuaria sendo o do Marcos.
    kkkkkk..................

    gde abraço
    manão

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  3. Bom, eu continuo sendo sua fã João!! tbém com essa família linda,você não poderia ser diferente , tão amigo, esposo querido de sua Lana Mara e esse exelente pai de sua filhas!!Mais uma vez parabéns, querido amigo, continue sempre passando os Natais com sua mãe, que é uma das melhores coisas, estar junto a nossa família, grande abraço.

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  4. Impossível não se emocionar ao ler a história!Quem conhece a famosa mãe,vovó,tia,dona,Ruth, sabe que ela é assim mesmo. Simplicidade e bondade em pessoa.
    Ah que vontade de comer uma farofinha de ovo no café da manhã, preparada por ela com todo amor e carinho.
    Jamais vou esquecer as muitas e muitas manhãs que, logo que o vovô Nando saia para trabalhar, eu corria para a cama deles, para levantar junto com a vovó.Rezávamos e só aí levantávamos...Eu ansiosa, pulava na cama e dizia: "Vó, vamos rezar?!"...Pois sabia que só assim sairíamos da cama. Bons tempos...
    Beijinhos e saudades!

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  5. Meu Mozinho!

    Mesmo já tendo ouvido essas histórias, nas três vezes que li me emocionei e, com certeza, continuarei me emocionando sempre. Sou muito feliz em fazer parte dessa linda família e principalmente por ter como minha sogrinha querida a D. Ruth, adorada por todos e que tanto lembra a minha saudosa mãezinha. Bjs

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  6. linda história João! é realmente de emocionar, pois nos mostra a importancia da família e boas amizades...
    ... a história da família Moreira e Souza é muito bonita são pessoas que sempre contribuiram para o crescimento de nossa cidade.

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  7. Olá, João!

    É sempre muito bom ler suas histórias! Realmente, vc tem uma família maravilhosa e os valores que levam consigo são mais valiosos que qualquer bem material. Um carinhoso beijo a D. Ruth, quem tive o prazer de conhecer nessa vida e compartilhar de sua bondade e recepção, sempre que vamos ao sítio e a encontramos!

    Até mais,

    Eric

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  8. Ah...quarta-feira antes do Natal consegui filar uma farofinha de ovo caipira na vovó. Fomos eu e a Juju tomar café da tarde e não resistimos, pedimos para ela fazer a farofinha que só ela consegue fazer, que por sinal, ganhou mais um novo fã, o Lorenzo adorou também!!!
    Beijos

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  9. Adoro esta história do ovo!
    A tia é mara.com.
    Lembra o ela fez comigo na praia por causa do Laudenir....kkkk Toda vez q me recordo morro de rir e o Lau se aproveuta da situaçao toda vez q estamos perto da tia...kkkk

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