quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Minha Doce Magrelinha

Os meus pais tiveram muitos compadres. Até perderam a conta de quantas crianças eles batizaram, isso sem considerar os inúmeros casamentos dos quais eles foram padrinhos. Naquele tempo, faziam questão de chamar os pais, tanto dos batizandos, quanto dos noivos, de compadres. Era como mais um membro da família: os afilhados os chamavam de padrinhos e tomavam sua bênção, tanto na hora da chegada, quanto na partida. Os mais velhos tiravam o chapéu e beijavam suas mãos. O meu pai foi uma pessoa que procurava sempre atender a todos, e como retribuição, ofereciam-lhe os filhos como afilhados.

Dos muitos compadres, um chamava muito a minha atenção: o Zé do Quiabo. Dos seus cinco filhos, três eram afilhados dos meus pais. Era uma pessoa de muito boa conversa, bem esclarecido para os padrões da época. Estava sempre lá em casa, já que morava num sítio vizinho ao nosso. Plantava várias verduras e legumes, mas se destacava mesmo no cultivo do quiabo, por isso o seu apelido. Até hoje não sei o seu nome verdadeiro. Os seus filhos viviam conosco e nós também freqüentávamos muito a casa deles.

Sua casa era amarela, bem simples, construída perto de um lago. Além do fogão à lenha, que ficava do lado de fora, tinha também um forno para assar pão , uma leitoa ou uma costela bovina, em ocasiões especiais. O compadre Zé do Quiabo era um grande apreciador desses assados.

Na parede de sua sala, havia uma bicicleta pendurada há muito tempo. Os pneus estavam murchos e os aros, os raios, os cubos e o pedivela um pouco enferrujados. Era azul com filetes brancos nos quadros. O selim de couro ficava bem instalado sobre uma plataforma de molas. A marca era Rudge, o aro 26. Um porta-malas com uma alça para prender os pacotes compunha a sua estrutura.

Eu sempre ficava apreciando aquela maravilha e um dia falei ao meu pai:

− Como já estamos meio grandinhos, seria muito bom se tivéssemos uma bicicleta.

O meu pai, prontamente justificou:

− Uma bicicleta custa caro e não estamos em condições de comprar uma nesse momento.

Como eu já havia pensado na possibilidade, fui logo dizendo:

− Aquela do compadre Zé do Quiabo seria ideal, pois é bem baixinha e vai facilitar para que a gente aprenda a andar.

A princípio, o meu pai achou a idéia meio absurda, pois já tinha ouvido comentários do compadre que aquela bicicleta foi herdada dos seus pais e não venderia e não trocaria por nenhum outro objeto. Mas de tanto eu ficar tocando no assunto, ele resolveu ir até a casa do compadre para tentar a negociação.

Num primeiro momento, o compadre hesitou um pouco, mas argumentou que não poderia negar um pedido de alguém tão especial, e, melhor ainda, ficaria como permuta de alguns mantimentos que sua família utilizaria do armazém do meu pai, uma vez que as festas de fim de ano se aproximavam e na venda tinha tudo o que precisariam.

Foi aquela alegria para todos! Era um dos presentes mais valiosos que tínhamos ganhado até então, ainda porque não era comum os recebermos, nem mesmo nos aniversários e nem tão pouco no Natal.

Concretizada a negociação, foi preciso utilizar a charrete para levá-la embora. Amarramos a bicicleta na parte traseira, junto ao encosto do banco. Colocamos uma corda no guidão, atravessando o quadro e finalizando no selim, para que não tivesse a mínima possibilidade de queda daquela preciosidade.

Chegando em nossa casa, iniciamos uma operação de restauração, começando pela retirada das rodas, desmontando os pedais, a corrente e a catraca. Tudo foi minuciosamente lavado à querosene e ela ficou brilhando, novinha em folha. Montamos com cuidado para que os ajustes ficassem perfeitos, enchemos os pneus com a devida calibragem e somente faltou uma pequena regulagem nos freios, uma vez que as sapatilhas estavam gastas em excesso. Essa tarefa ficou para a sexta-feira seguinte, quando o meu pai iria para o centro da cidade de Guararema, na ocasião das compras semanais. Na oficina do Pedro Bicicleteiro tinha todas as peças de reposição. Aguardamos ansiosamente até o dia que a peça que faltava chegou. Iniciamos, então, as primeiras pedaladas e os inúmeros tombos até aprendermos a equilibrar corretamente. Demos a ela o apelido de “Doce Magrelinha”.

Todos nós (eu, minha irmã Kika, meus primos Toninho, Inês, Zezinho, Laude, Jorge e outros que por ali apareciam) aprendemos a andar de bicicleta nela e ela era a nossa grande diversão. No quintal de casa havia uma ruazinha estreita que ia do quartinho das ferramentas, passando por dentro do pomar até a porteira de entrada na estradinha lateral. A nossa diversão era cada um ir até o final, retornar perto da saída e estacionar em baixo do pé de mexirica. Íamos anotando em uma lousinha as quantidades de voltas a que cada um tinha direito, o que servia para não se perder a seqüência.

A minha Doce Magrelinha ficou conosco por muito tempo, até que crescemos mais um pouco e ela acabou ficando pequena para o nosso peso. Foi aí que eu a barganhei, com o consentimento de meu pai, por uma outra, maior e mais nova, com meu primo Antonio Carlos que morava em Luiz Carlos e dei como pagamento, além dela, uma gaiola de passarinho.

Bons tempos aqueles!

3 comentários:

  1. oi, papai!!

    nem preciso falar que amo suas historias, neh? =D
    desde pequenininha adorava as ouvir varias e varias vezes. ate ja perdi a conta de qtos pedidos para vc me contar a historia da salsicha, por exemplo, eu ja fiz. rsrs

    é muito bom saber que agora mais e mais pessoas vao ter o privilegio que eu sempre tive de viajar nas suas lembranças.

    queria mto ter visto pessoas da nossa familia as lendo no encontro da familia moreira.

    parabens pelo seu grande talento!!

    te amo mto s2

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  2. Adoro, e já estou esperando os próximos capítulos
    a sua história lembra muito a muinha, tbem nasci e vivi no sítio...rsrsr

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  3. Do fundo do bau.
    Lembro da bicicleta , mas não me lembro do Zé do quiabo

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